The Pillow Book - 1

Cinema, medicina e literatura

O filme-corpo, o filme-livro

Por Denise Lopes


Apresentação/Objetivo


O livro de cabeceira, de Peter Greenaway, de 1995, é um dos mais belos exemplos da recente cinematografia mundial. As leituras do texto fílmico são as mais variadas possíveis. A fim de discutir algumas das questões apresentadas durante o curso Cultura visual médica: a construção tecnológica do corpo humano, o trabalho irá analisar, em especial, duas seqüências deste longa-metragem: a da “transação financeira” num restaurante entre os amantes Nagiko (Vivian Wu) e Jerome (Ewan McGregor) e a da retaliação e costura do corpo de Jerome para encadernação em livro. A presente monografia irá dissecar ainda outras imagens e planos isolados, tais como algumas cenas de nus do casal, a fim de exemplificar outras abordagens propostas.


A relação da obra de Greenaway com a pintura e a literatura será tema central do trabalho. Todo o aproveitamento da evolução tecnológica embutido na estética de Greenaway também. Assim como a relação entre sexo e texto, carne e literatura, filme e corpo. Porém, as principais interseções a serem analisadas serão entre cinema e medicina, e cinema e literatura. A inserção do corpo como um texto a ser lido. O filme como um texto a ser lido também. O livro de cabeceira, ao mesmo tempo, como um corpo e um livro a ser compreendido e analisado.


O trabalho pretende explicitar também as novas construções propostas por Greenaway na tela, como a idéia de “imagem-fragmento”, de “multiplicidade de telas”, de “cubismo cinematográfico”, de “tridimensionalidade”, de “anti-narrativa” e de “não cronologia temporal”. Propostas oriundas das inúmeras possibilidades de pós-produção, que recentes tecnologias estão incorporando ao ato de fazer um filme. Por fim, o trabalho deverá se ater na tentativa, inserida em O livro de cabeceira, de fazer com que um filme possa ser visto/lido mesmo como se fosse um livro.


Créditos


The Pillow Book (O livro de cabeceira), 1995, 123 min
Produção: Kasander & Wigman Productions, Woodline Films and Alpha Films em associação com Channel Four Films, Studio Canal Plus e Delux Productions
Produtor: Kess Kasander
Produtores Associados: Terry Glinwood, Denis Wigman, Jean-Louis Piel
Direção: Peter Greenaway
Direação de Fotografia: Sacha Vierny
Elenco: Nagiko (Vivian Wu), Jerome (Ewan McGregor), o editor (Yoshi Oida), o pai (Ken Ogata), a mãe (Judie Ongg), Hoki (Yutaka Honda), o marido (Ken Mitsuishi), a mãe de Jerome (Barbara Lott).

Diálogos em inglês, japonês, mandarim e cantonês.


Sinopse

Apresentação de duas sinopses diferentes1:


“Em O livro de cabeceira, o cineasta faz do corpo um livro para se ler e escrever. Objetos de prazer, os corpos se transformam em suporte de pequenos poemas em prosa delicadamente caligrafados, mas também em quadros vivos que o fino traço dos sinais converte em imagens artísticas. A vida afetiva e sexual de Nagiko fica marcada pelo presente que lhe oferece seu pai, escritor e calígrafo (...) (Em seus aniversários, desenha/escreve/circunscreve em seu rosto). Inspirando-se no texto de Sei Shonagon, O livro de cabeceira, Greenaway estabelece vários jogos com a obra literária da dinastia Heian: a história se desenvolve mil anos depois da novela japonesa; o personagem feminino é transgressor das regras em um mundo de homens, exatamente como foi a autora em sua época, e as descrições que realiza Sei Shonagon “dessas coisas que emocionam e fazem latejar o coração” se transformam em pequenas imagens que se inserem na tela. Nagiko regressa a Kyoto depois de levar vertiginoso ritmo de vida como modelo na Hong Kong do fim do milênio. Ali conhece Jerome e lhe pede _ como fazia com todos os seus amantes _ que escreva sobre seu corpo, porém o intento fracassa (...). Nagiko deseja publicar seu próprio livro de cabeceira e para tanto recorre ao editor que obrigava seu pai a retribuir-lhe com favores sexuais a edição de suas obras. Na editora, se encontra novamente com Jerome _ que mantém uma relação com o editor _ e decide seduzi-lo para que este seja o instrumento capaz de lhe fazer alcançar seus objetivos. Nagiko e Jerome iniciam um romance: ela deixa de ser o papel e se converte na pena. O pincel percorre a pele desnuda do amante e faz dele um livro de cabeceira.”2


"Em 1970, em Kyoto, um calígrafo grafa delicadamente como um presente na face da sua filha em seus aniversários. Quando ela se torna uma mulher, Nagiko _ a filha _ lembra sempre disso com excitamento e procura achar um calígrafo, amante, ideal que use seu corpo como seu papel. Em Hong Kong ela conhece Jerome, um tradutor inglês que a convence que ela pode ser a pena e não o papel _ ela deve escrever no corpo dele e ele irá levar o que ela escreveu em seu corpo para um editor. O plano vai bem. Ambos amantes começam a ficar com ciúmes recíprocos, ela do editor, ele porque ela, impacientemente, escreve nos corpos de outros homens. Numa tentativa de ter Nagiko de volta, Jerome trapaceia com a idéia do seu próprio suicídio, o que acaba resultando na sua morte. Nagiko se desespera, escreve um belo poema erótico no corpo de Jerome e o enterra. O editor exuma o corpo de Jerome, e escalpela sua pele para fazer um precioso livro de cabeceira com o texto de Nagiko. A mulher fica horrorizada. Planeja persuadir o editor a abandonar o livro da pele de seu amante enviando a ele alguns belos jovens calígrafos, o último que chega até o editor o executa. O livro de cabeceira de Jerome retorna para Nagiko e ela o guarda no solo de uma árvore de bonsai”3


(continua)



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